Em menos de três anos, a marca Porta dos Fundos alcança um valor de R$ 500
milhões. O primeiro lucro milionário é esperado para 2015. Saiba como a
contratação de uma CEO botou ordem na casa e a transformou numa produtora
de conteúdo multiplataforma
Cinco homens e uma chefona: (da esq. para a dir.) Fábio Porchat,
Antonio Tabet, Ian SBF, João Vicente de Castro e Gregório Duvivier rodeiam
a presidente Juliana ( foto: Stefano Martini)
No fim de 2013, o ator e roteirista Fábio Porchat recebia no Citibank
Hall, em São Paulo, o prêmio de Personalidade do Ano nas Novas Mídias, da
revista IstoÉ. Em seu discurso de agradecimento, o humorista brincou
dizendo que seu objetivo era ser destaque de outra publicação da Editora
3, a DINHEIRO. A platéia riu, achando graça em seu desejo de se tornar um
empreendedor de sucesso. Um ano e meio depois da piada, fica evidente que
Porchat estava realmente falando sério. O Porta dos Fundos, canal de
vídeos criado em agosto de 2012 por ele, Antonio Tabet, mais conhecido
como Kibe Loco, Gregório Duvivier, Ian SBF (abreviação do sobrenome
Samarão Brandão Fernandes) e João Vicente de Castro, filho do falecido
jornalista gaúcho Tarso de Castro, transformou-se numa máquina de criação
de conteúdo para internet, tevê e cinema.
O humor ferino, abusado e, muitas vezes, desabusado, bomba e o dinheiro,
idem. Nesses quase três anos na estrada, o Porta dos Fundos atingiu 1,6
bilhão de visualizações, conquistou quase 10 milhões de assinantes no
YouTube e levou o título de maior canal de humor da internet mundial. Os
cinco sócios comandam um negócio com valor de marca estimado em R$ 500
milhões, segundo estudo realizado pela consultoria Millward Brown Vermeer,
a pedido da DINHEIRO. “Usamos Time Warner, Fox e CBS como comparação para
termos noção do valor de mercado de uma empresa do setor de produção de
conteúdo e de entretenimento”, diz o diretor-geral da consultoria, Eduardo
Tomiya, responsável pelo ranking AS MARCAS MAIS VALIOSAS DO BRASIL.
“O Porta dos Fundos pode ser um pouco diferente, mas o múltiplo chega a 14
vezes o lucro operacional.” Para este ano, a projeção dos humoristas é
obter um lucro de R$ 35 milhões, o primeiro resultado expressivo da
empresa. Nos primeiros nove meses de vida, os fundadores tiveram de tirar
dinheiro do próprio bolso para pagar as contas de produção e filmagens. Os
primeiros takes aconteciam com roupas emprestadas, na casa de conhecidos e
com câmeras do “Anões em Chamas”, o canal de humor criado por Ian SBF, que
serviu de embrião para o Porta dos Fundos. Nos três meses seguintes, os
sócios conseguiram empatar o capital e encerrar o primeiro ano com uns
trocados a mais na conta bancária.
No início, as receitas vinham praticamente do Google, dono do YouTube, que
remunera as produtoras que alocam vídeos em sua plataforma. Quem recebe
mais cliques, ganha mais. O valor que é repassado não é revelado, mas o
mercado estima que o Porta dos Fundos receba o teto da remuneração, cerca
de US$ 3 para cada mil visualizações. Isso renderia US$ 2,4 milhões (cerca
de R$ 7,5 milhões), por ano. Em 2015, a participação do YouTube no caixa
do Porta deve cair de 20% para menos de 10%. O grosso dos ingressos –
cerca de 60% do total– virá dos contratos de patrocínio.
A Coca-Cola, a cervejaria Petrópolis, dona da marca Itaipava, e a empresa
de tecnologia Asus têm exclusividade para mostrar seus produtos quando há
um roteiro com cenas de bebidas ou laptop. A intenção da trupe é encerrar
o ano com um quarto patrocinador fixo. Outras empresas, como Visa e LG, já
fizeram ações pontuais. “O Porta dos Fundos conseguiu vincular atributos
muito positivos como ousadia, humor e criatividade”, diz Eliana Cassandre,
gerente de propaganda do Grupo Petrópolis. “Eles são jovens e dinâmicos,
aspectos que conquistaram o público e, não por acaso, sempre batem
recordes de visualização e comentários nas redes sociais.”
Esse impulso no desempenho financeiro aconteceu após a chegada de uma
forasteira, que entrou pela porta da frente para colocar ordem na casa.
Ex-diretora-geral, no País, da holandesa Endemol, dona do reality show Big
Brother, a argentina Juliana Algañaraz assumiu como CEO do Porta dos
Fundos no início do segundo semestre do ano passado para revolucionar a
gestão do negócio. Juliana foi seduzida pelos sócios durante as
negociações para a contratação do Porta dos Fundos pelo canal Fox,
parceiro da Endemol. A empatia criou uma atração irresistível, mas o
convite formal só aconteceu após Juliana dar um ultimato ao grupo, depois
de quase seis meses de conversa.
“Estávamos perdendo tempo com reuniões de negócio e não com idéias”, diz
Porchat. “Precisávamos de alguém para mandar na gente”, reforça Castro. O
Porta dos Fundos precisava mesmo de uma chacoalhada. Não do vídeo para
fora, claro. A qualidade seguia impecável e a conquista de seguidores
continuava aos milhares a cada nova publicação. Mas era necessário
promover uma arrumação nos setores administrativos, que estavam perdidos
em meio ao caos do quinteto fundador. Embora nenhum deles fosse
especialista em atividades burocráticas, eles foram se virando. Ian SBF
era o mais dedicado à papelada, cuidando desde o pagamento de contas aos
contratos de atores e à produção.
Com o crescimento do negócio, ficou claro que, se tocassem todas as áreas
de forma amadorística, seriam apenas mais uma produtora diletante, entre
tantas que penam por aí. O problema é que, desde o início, eles queriam
ser uma grande empresa. “Eles eram bem esforçados, mas faltava gestão”,
diz Juliana. Na produção, por exemplo, os sócios nunca se importavam com o
custo, que gira em torno de R$ 80 mil por ano. O importante é gravar. O
primeiro pedido de verba para Juliana foi de cair o queixo: uma
superprodução, com aluguel de helicóptero, que custaria cerca de R$ 500
mil.
A executiva pediu um tempo e saiu a campo para encontrar interessados em
bancar a filmagem. No mesmo sentido, o esquete Refém saiu a custo zero,
com o apoio da Fox e da montadora Nissan, que topou colocar seus carros no
quadro. “Antes, filmávamos e procurávamos os interessados. Hoje, o caminho
é o oposto”, diz ela. “Temos custos altíssimos e temos de nos pagar.” Por
isso, a primeira ação da executiva argentina foi montar uma estratégia
comercial para atrair parceiros e interessados em repartir as despesas.
O CASE SPOLETO No início do Porta dos Fundos, os contratos eram
esporádicos e fechados com muita empolgação e quase nenhum embasamento.
Castro, Tabet e Ian SBF foram os responsáveis pelo primeiro case
comercial. Num bar do Baixo Gávea, região boêmia do Rio de Janeiro, eles
conquistaram o empresário Antonio Moreira Leite, da rede Spoleto, que dias
antes assistira ao vídeo Fast Food, que fazia uma crítica mordaz ao
péssimo atendimento numa lanchonete e foi um dos primeiros grandes
sucessos do grupo. A marca Spoleto não era citada, mas todos os elementos
levavam a uma associação direta com ela.
Em vez de abraçarem uma crise, os sócios do Spoleto preferiram aproveitar
as críticas e melhorar seus processos e sua comunicação. Acertaram o
patrocínio, o vídeo mudou de nome e acumula mais de 11,1 milhões de
visualizações. O retorno espontâneo, de acordo com a marca, é de R$ 1,4
milhão. “O vídeo foi transformador para nós”, diz Leite. Mas uma marca de
sucesso não é construída apenas na internet. Logo ao desembarcar na
produtora, Juliana enxergou um potencial para ir além dos vídeos para
celulares, tablets e computadores. Por isso, será cada vez mais comum ver
a marca Porta dos Fundos na tevê, no cinema ou em animações (um desenho
inspirado na série americana Simpsons está em produção).
“A plataforma é indiferente”, diz Mauro Garcia, diretor executivo da
Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão. “O Porta
dos Fundos tem valor pelo conteúdo e criatividade.” Nos próximos meses, o
site vai ser turbinado com programas específicos. Porchat terá um de
viagem e turismo, o ator Gabriel Totoro exibirá sua paixão pelos games e
Tabet criará um talk show e um quadro de esportes. A batalha por um lugar
ao sol no mercado internacional também está em curso. Por intermédio da
Fox, Portugal foi o primeiro país. Também está em andamento a produção na
Inglaterra, com atores locais que estão sendo supervisionados pelo Porta.
“Estamos onde sempre quisemos estar”, diz Ian. “Criar para todos os tipos
de formatos.” O cenário parece perfeito para o Porta dos Fundos, mas há
riscos pelo caminho. O número de compromissos de todos os sócios aumentou
exponencialmente, nos últimos dois anos, com teatro, cinema e programas
nas TVs aberta e fechada. Para evitar uma debandada, Juliana fez com que
todos assinassem um compromisso de cinco anos de permanência no negócio.
“Há um comprometimento de todos os sócios porque podemos produzir dentro
de casa”, diz Porchat. “Unimos forças para fazer a empresa crescer.”
O receio é perder o principal produto: os textos de qualidade. Há, sim,
uma busca por novos roteiristas. Mas a peneira está apresentando menos
resultados do que o esperado, por conta dos elevados níveis de exigência
dos donos. De um teste com 50 candidatos, feito recentemente, apenas um
foi aprovado para aprender o “jeito Porta” de escrever. “Não temos medo de
falar de tabus, mas não acreditamos em homofobia, machismo ou em maltratar
animais”, afirma Castro. “Se o texto é grosseiro, não é gratificante para
nós.” Uma saída seria recorrer às dezenas de roteiros, que chegam todas as
semanas para avaliação.
No entanto, eles descartam todos, sem ler. O receio é ser acusado de
plágio. Isso porque os textos deles são sacadas de situações cotidianas.
Um exemplo dessa ligação com o dia a dia é o Na Lata, o maior sucesso. “O
vídeo retrata de uma maneira bem humorada o desejo das pessoas de
encontrar seus nomes customizados nas embalagens”, diz Rodrigo Gameiro,
gerente de conteúdo em real time marketing da Coca-Cola Brasil. “O
diferencial deles está no comprometimento com a missão de subir o nível de
qualidade da produção de conteúdo destinado à internet no Brasil.”
A busca pela qualidade é quase obsessiva. Nas reuniões de segunda-feira,
12 roteiros são analisados a cada vez. Dois terços deles são jogados no
lixo. Na fase de pós-produção, todos interferem e respeitam a opinião do
outro, algo incomum quando se trabalha com criatividade. “Sempre alguém
vai melhorar o que o outro fez”, diz Tabet. O critério é a graça. Se eles
acharem que ficou mais ou menos, não há volta. Dois campeões de audiência
quase foram cortados. Sobre A Mesa, que popularizou a expressão “O que eu
quero, Mario Alberto?”, e Quem Manda, do temido Gorilão da Bola Azul,
foram vídeos que estiveram próximos de ir para o buraco negro. “É melhor
perder tempo e dinheiro do que qualidade”, diz Duvivier.
“Nossa batalha cotidiana é agregar gente nova para o barco.”
O desafio da trupe é fazer a marca Porta dos Fundos valer mais do que a
mera soma da imagem dos sócios. O objetivo é fazer da empresa uma espécie
de Pixar, o estúdio criado por Steve Jobs, da Apple, que hoje pertence à
Disney. A explicação é simples: eles têm um modelo de negócio que preza a
criatividade e as boas idéias, sem perder a espontaneidade. “A Pixar nunca
me decepcionou”, afirma Duvivier. “Todo tipo de conteúdo deles é
impecável.” Portanto, se algum dia Porchat afirmar num discurso que quer
fazer do Porta dos Fundos a Pixar brasileira, ninguém mais deve entender
que ele está fazendo piada.
Fonte: IstoÉ Dinheiro |